Que bom que você está aqui!

É com prazer que te recebo neste espaço! Esta "casa" virtual está em permanente construção e em cada "cômodo" há uma inquietante necessidade de fazer diferente! Meus textos, relatos e imagens buscam apresentar a você os passos que constituem minha caminhada pessoal, profissional e acadêmica. A partilha que faço não intui caracterizar-se por uma postura doutrinária, autoritária ou impositiva-opressora, mas ao contrário, apresenta-se como ato solidário (jamais solitário) de contribuição à discussões humanas, planetárias e éticas!



Como educador me vejo no compromisso de participar do processo histórico de libertação dos oprimidos, marginalizados e esquecidos, a começar por mim. Despindo-me de qualquer resquício de arrogância, prepotência e soberba apresento-me como aprendente num contexto de intensa renovação de conceitos e atitudes!



Assim convido-o a juntos pensarmos em nossa condição de partícipes da grande Salvação! Salvação plena do homem e da mulher místicos, políticos e planetários!



Fraterno abraço!








Casa Rosada - sede do governo argentino. Em frente está a Praça de Maio. É um local em que é possível conhecer um pouco da história e da cultura argentina.

segunda-feira, 29 de junho de 2015

Laudato si: convocados à cuidar da casa comum

Neste dia 18 de junho o mundo conheceu o teor da convocação feita pelo Papa Francisco, à toda a humanidade para o cuidado à casa comum. A encíclica “Laudato si” (Louvado seja) não é um apelo ou um simples alerta, mas a consolidação de um chamado a um verdadeiro marco civilizatório. Diante de um modelo econômico que em dois séculos fez a terra (casa comum) experimentar o período de maior opressão e devastação, reflete claramente sobre a pobreza, o abandono e o maltrato lançado sobre grande parte da humanidade e sobre o meio ambiente. Numa visão genuinamente latina, Francisco evidencia o fracasso de um sistema predatório, explorador e depredador financiado e planejado por uma minoria, responsável pelo descarte da maioria. Propõe uma ecologia integral baseada não apenas nos discursos teóricos e nos conhecimentos científicos de como economizar recursos, mas em valores humanos que garantam a todos os seres humanos a oportunidade de partilhar a casa comum. Por tais valores os seres humanos podem e devem encantar-se e admirar-se ao aproximar-se da natureza. Por este encantamento Francisco aposta na convicção de que a natureza não será apenas um objeto ou mera fonte de recursos a serem convertidos em objetos de cobiça de uma minoria. Em se mantendo esta postura certamente acentuam-se as distâncias (econômicas, políticas e sociais) entre pobres e ricos. Graças a este distanciamento nota-se claramente que as maiores vítimas de todos os desastres ambientais sãos as populações pobres. Os primeiros soterrados, desabrigados, famintos e sedentos não são os depredadores soberbos e prepotentes mas os já fragilizados e martirizados por um sistema econômico pautado mais na exploração do que na cooperação, na solidariedade e no acolhimento. Assim cuidar da natureza é fundamentalmente cuidar uns dos outros. Como sujeitos que dividem o mesmo lar, num exercício de alteridade, é fundamental que se aprenda que a atitude de cada um reflete severamente na vida do outro. Cuidar da casa importa não apenas em usar técnicas inovadoras, mas de afetividade para com cada um de seus moradores, sejam eles humanos ou não. Este marco civilizatório não nega o processo histórico que conduziu a humanidade (nação única) ao presente, mas infunde a necessidade de retomar a humanidade (valor intrínseco) que confere a cada ser humano uma dignidade especial. A dignidade de prover qualidade a sua vida e a de todos os que partilham da casa comum. Efetivamente o texto é contundente em afirmar que o aparecimento de tecnologias acelera o processo predatório sem, no entanto converter-se em forma de melhor (re)aproveitamento. Ao contrário a dinâmica tecnológica avança geometricamente sobre a dinâmica biológica gerando não apenas mero desequilíbrio, mas morte e destruição. Contata-se, pelo uso de tecnologias de informação, a desmotivação do encontro, do diálogo e do toque entre os humanos, produzindo grupos tomados por uma verdadeira melancolia. A nocividade, em seu sentido mais amplo se materializa especialmente na geração e sustentação de conflitos entre nações, guerras que produzem milhões de mortos de refugiados (refugados) motivados por questões econômicas, políticas, religiosas e étnicas. O sangue que banha o chão da casa comum não tem envergonhado os culpados por seu derramamento e tampouco tem indignado quem potencialmente poderá oferece-lo no futuro. Assim a complexidade revelada por Francisco em sua bela convocação, exorta à cada ser humano, crente ou não, a fazer sua parte. Numa problemática tão diversa, não há quem possa dizer “isso não é comigo”. Em suas linhas percebe-se que o cada um fizer terá grandes reflexos no existir do outro. Trata-se de uma conversão necessária para que cada sujeito se sinta muito mais que um consumidor, mas um vivente, habitante natural de uma casa partilhada por muitos bilhões de seres, cada qual com muitas razões para existir.

Por onde anda a democracia?

A democracia, para ser democracia não pode ser propriedade exclusiva de ninguém, mas da coletividade, e seus caminhos são unicamente seus. Quando alguém ou qualquer grupo apodera-se dela e a utiliza de acordo com suas convicções e interesses ocorre uma certa paralisia ou ainda um risco evidente de retrocesso. Democracia não é apenas o suporte teórico de debates entre oposição e governo, como se apenas dois fossem os caminhos possíveis. No caso do Brasil o clássico requentado PT x PSDB e alguns outros partidos ávidos por “emprestar” ou até mesmo “vender” seus jogadores, tem repetido um debate que parece cercear à democracia, o direito de seguir seu caminho. Assim ao longo dos primeiros cinco séculos de nossa história a democracia seguiu por um caminho único, com pequenos instantes de “desvio”. Este longo caminho que por ter sido traçado por privilegiados, deixou a margem milhares pessoas por serem indígenas, negros, pobres e fragilizados. Um caminho por onde escoou a riqueza e caíram algumas migalhas com as quais os sempre excluídos se conformaram. Num destes desvios, que marca este início de século XXI é indiscutível a mudança de rumos da democracia, com melhor distribuição de renda e ampliação de direitos. Mas também é inegável quem em nome da governança, permitiu-se que cargos públicos de grande relevância fossem ocupados por representantes partidários com compromissos pouco republicanos. Assim o clássico da política, a exemplo dos clássicos futebolísticos, produz alguma emoção mas não inova. Erros e acertos se repetem e os muitos partidos menos expressivos (em quantidade e principalmente em qualidade) simplesmente servem de balcão para negociar cargos e interesses. E a democracia? Estacionou a beira deste caminho esperando que alguém lhe dê a oportunidade de traçar um novo rumo. Um rumo que em 2014 denominou-se de Terceira Via que ao final de pouco tempo revelou-se uma via comum, aderindo também ao clássico. O fato é que o sonho da terceira e outras vias não pode morrer sob pena de condenarmos a democracia a morte e por conseguinte a esperança de uma nova nação . Uma via por onde a democracia possa andar e deixar um rastro de liberdade, igualdade, solidariedade e ética. Uma democracia menos financiada e mais bem pensada, menos do capital e mais da moral. Uma democracia em que o governante não tenha medo de dialogar com seu povo e que tenha algo convincente a lhe dizer. Uma democracia em que os que reivindicam os seus direitos não sejam tratados como bandidos, mas como vozes que soem em favor de uma nova forma de diálogo. Mais do que isso é preciso que ao andar por novos caminhos, a democracia também assuma um caráter nacional e local. Afinal no contexto atual, a grande maioria dos brasileiros participa do movimento democrático apenas como eleitor, mas as grandes decisões seguem a lógica de uma minoria, além de agentes econômicos externos. Assim a democracia deve circular no meio do povo, dar aos diferentes oportunidades iguais, acolher os fragilizados e preparar novos caminhos à novas gerações.

Francisco: o pacificador

A liderança do Papa Francisco é inquestionável, mesmo entre os que não pertencem a Igreja Católica. Talvez por que sua liderança não se resume a administrar uma instituição. Ele definitivamente não é um simples gestor. O papa humilde revela-se a cada dia um pacificador e certamente por sua humildade desperta confiança e credibilidade para propor a paz. Outros líderes já tentaram, mas por representarem interesses econômicos ou políticos, foram vistos com certa resistência. Os interesses de Francisco são meramente humanitários, como se isso fosse pouca coisa. Num mundo em que as guerras ocupam nossos noticiários com a mesma frequência que a previsão do tempo, as aceitamos com a mesma naturalidade com que acatamos os resultados da tal previsão. Os milhares que tombam diante de nossos olhos são apenas números que se “justificam” pela naturalidade histórica com que sempre aconteceram, como se não fosse possível viver completamente em paz. A naturalidade da guerra foi construída ao logo de dezenas de séculos onde matar e morrer fez parte de um grande negócio. Povos nativos foram exterminados em várias partes do mundo (inclusive no Brasil), outros foram transformados em mercadorias (escravos), alguns foram instigados a se auto exterminar por razões religiosas e ainda se odiarem por divergirem politicamente. Assim a proposição da paz não se dá apenas por meio de discursos rebuscados, mas pela ternura e rigidez de líderes que possam fazer de seu exemplo o maior dos discursos. Assim foi com Luther King, Gandi e está sendo com Francisco. Ao adotar o nome e principalmente o conceito “Francisco” Bergóglio, assumiu um grande compromisso: lutar incansavelmente pelo outros sem nada pedir para si. Assim Cuba e Estados Unidos caminham para a retomada de suas relações, o estado Palestino poderá finalmente existir na sua completude e a própria igreja ao reconhecer seus equívocos (erros) passa a pacificar suas relações com parte do seu povo. Pela paz promove o diálogo e o encontro de diferentes crenças, como diferentes caminhos para chegar à Deus. Francisco parece usar sua autoridade apenas para provocar o início das conversas, mas as continua por meio de sua própria condição. Afinal colocar inimigos numa mesma mesa e faze-los conversar sobre suas diferenças requer habilidades somente encontradas em quem não pretende nada para si. Os desafios são muitos obviamente, e há conflitos guiados e executados por cegos e surdos à quem os apelos de Francisco certamente não ecoam como não ecoaram os de muitos outros. Mas fica a lição. A promoção da paz não pode ser um negócio, mas um desejo desprovido de segundas intenções. A grande e única intensão deverá ser a defesa da vida e da dignidade de todas as pessoas a começar pelos mais fragilizados. Este enunciado faz parte do que poderíamos chamar de conceito “Ser Francisco” criado em Assis e imitado em Roma.

Babel à Brasileira

O episódio da construção da Torre de Babel narrado pela Bíblia, onde em razão do uso de inúmeras e diferentes línguas ninguém podia entender o que todos diziam, afirma que por isso jamais teria sido concluída, ao contrário teria sido derrubada por um grande vento. O que acontecem em nosso país neste momento, do ponto de vista da gestão e da política, reproduz com maestria o que teria ocorrido no episódio bíblico. Dezenas de temas estão em debate, não há lideranças capazes de propor uma agenda única com temas organizados de acordo com critérios legitimamente republicanos. Nestes últimos anos milhares de brasileiros descobriram que não é “natural” viver numa sociedade em que há diferentes níveis de cidadania. Ao contrário perceberam que comer, vestir e morar não podem ser privilégios ou concessões, mas direitos fundamentais inerentes à qualquer ser humano. Para muitos, no entanto, isso soou como ameaça, afinal o bolo passaria a ser dividido entre mais bocas e quem vivia em fartura teve de aprender a partilhar. Por outro lado em nome da governança (e não da governabilidade) formaram-se alianças entre diferentes correntes ideológicas que não o fizeram como forma de convivência, mas apenas como tolerância passageira. Afinal os hábitos e propósitos são diferentes. Falam línguas diferentes e por isso o entendimento, quando ocorre, é apenas momentâneo. A suposta oposição a tudo isso, chama o povo às ruas. Muitos aderem e quando iniciam sua caminhada não encontram lideranças que efetivamente sejam capazes de unificar seus propósitos. Ao contrário apresentam dezenas de temas “válidos” mas não conseguem conduzir um debate maduro. Isso se dá por vários motivos: seus líderes não falam a língua das ruas; não são hábeis como oposição pois por séculos foram governo; suas supostas propostas inovadores não passam de um discurso embolorado com sabor requentado. Assim apresentam uma temática de uma forma num momento em noutro desmentem-se. Já no Congresso Nacional discutem-se simultaneamente temas como terceirização, reforma política, aborto, maioridade penal, saúde pública, previdência social, estatuto do desarmamento. O problema não é necessariamente o volume de temas para o debate, mas a qualidade e a metodologia da discussão. Percebe-se um cenário conservador e reacionário, atores decorando um texto ditado pelo poder do capital e um público estático assistindo a tudo sem saber o que fazer. Assim ergue-se a Babel à brasileira. O vento sopra ameaçando a torre que fatalmente cairá e todos em conflito disputando para saber quem chagará ao topo ou pior, tirando a sorte para saber a quem pertence a torre. Neste cenário, por força da democracia e principalmente pela anarquia (no mau sentido) há espaço para quem queira até mesmo propor um golpe de Estado. Se a torre ruir e o povo dispuser de liberdade para edifica-la segundo sua vontade pode-se dizer que tudo isso serviu para consolidar uma Pátria Livre, Educadora, Acolhedora e de Todos os Brasileiros.

À Liberdade (In memoriam)

O dia 13 de maio celebra os 127 anos da assinatura de uma lei que iniciou uma conquista histórica que jamais se completou em nosso país. Ao contrário mascarou a solução de uma grave violência que jamais cessou. Ao contrário a agravou e serviu como subterfúgio para simplesmente sepultar viva, uma esperança de justiça. A liberdade que os escravos conquistaram os aprisionou à uma condição de humilhação e descarte, tão cruel quanto as chibatadas de outrora. Assim o dia 13 maio pode ser uma homenagem à liberdade (in memoriam) que todo o ser humano tem direito, mas negada à milhares. Em 1888 por razões diversas concluiu-se que seria mais razoável determinar a soltura de milhares de seres humanos mantidos encarcerados como animais na condição de propriedade de fazendeiros brasileiros. Seres humanos que ao longo de mais de trezentos anos foram comercializados como “carne humana”, nos dizeres de Eduardo Galeano, transformando-se numa das maiores fontes de circulação de dinheiro da história do comércio internacional. Ao se decretar o fim da escravidão, o Brasil o fez por último na América, a liberdade pouco serviu aos alforriados. Afinal, sem escolaridade e sem qualquer recurso financeiro ou ajuda estatal, não haveria o que fazer senão ocupar periferias das cidades e da sociedade, convivendo em verdadeiros cinturões de pobreza e miséria. Estes cinturões persistem até hoje, flagrando o caráter natimorto da liberdade promulgada em 1888. Apesar de decretar o fim da escravidão a chamada “Lei Áurea”, assim como a do “Ventre Livre” (que libertou os filhos recém-nascidos de escravos) e a do “Sexagenário” (que libertou os maiores de 60 anos de idade) simplesmente mascararam a crueldade de um país insensível que transformou vidas em negócios. Afinal o que faria uma criança recém-nascida liberta, sem poder conviver com sua família e sem meios de sobrevivência? O que restará a um ser humano escravizado durante toda a vida, se por um acaso sobreviver por 60 anos, fazer com sua liberdade? Há quem diga que os custos de criar uma criança até poder torna-la produtiva como escravo ou de manter um escravo idoso e pouco produtivo poderia significar um grande prejuízo. Pelo mesmo motivo afirmam que teria sido mais rentável pagar pelo serviço prestado por imigrantes por exemplo, do que comprar e manter um escravo. Segundo estas afirmações pode-se dizer que a liberdade foi concedida por mera conveniência econômica. Reforça esta concepção, a omissão histórica absoluta do Estado brasileiro em relação aos libertos e seus descendentes que padecem até hoje. Os menores salários ainda são deles, a maioria das vítimas de violência está entre eles, a maioria da população carcerária é composta por eles e uma série de outros índices denuncia a fragilidade social e humana a que são submetidos. Por esta razão, no 13 maio pode-se celebrar a liberdade como uma utopia, mas não como conquista consolidada.

sexta-feira, 15 de maio de 2015

Os donos da democracia e a privatização da liberdade

A ascensão do modelo capitalista fundamentou-se na ideia de que é possível atribuir um valor monetário a tudo o que existe ou se saiba a existência. Como se atribui valor a tudo, pode-se dizer que tudo está a venda e em havendo quem possa comprar, apodera-se do bem e faz dele o que bem lhe convém. Difícil imaginar como isso seria possível com bens imateriais como a democracia. No caso do Brasil isto é muito simples. O absoluto descontrole do uso de recursos privados de origens nem sempre declaráveis, fundamentadas por uma legislação que legitima doações privadas de qualquer natureza, oficializa a privatização da liberdade e confere propriedade à democracia. Campanhas eleitorais repletas de efeitos e cenários, e por isso caras, mascaram verdades, histórias de vida e intenções, destituindo o direito ao livre arbítrio da parte do eleitor. A posse da liberdade assim é transferida, como mercadoria que pode ser comercializada. Assim as disputas eleitorais caracterizam-se como grande negócio onde a mercadoria bruta, o voto, sofre inúmeras intervenções que lhe agregam grande valor. No mercado de commodities eleitorais as negociações se fundamentam numa escalada econômica impressionante. O ciclo começa com o suposto comprador, o candidato, que não dispõem de recursos suficientes para competir no mercado eleitoral. Assim ele busca doações de supostos amigos, que despretensiosamente lhe cedem recursos sem que ele tenha o compromisso legal e até moral de devolvê-los, afinal seu salário, em caso de sucesso e seja eleito, lhe servirá apenas como subsídio para sua subsistência ao longo do mandato. O candidato, ainda não eleito, dispondo de recursos, parte para aquisição de produto bruto, o voto, supostamente utilizando os recursos doados para criar estratégias, peças publicitárias que possam convencer o eleitor a doar-lhe também o voto. Ocorre que nem todo o eleitor está disposto a doar seu voto em favor de propostas de interesse coletivo, e então agrega certo valor ao seu produto. Assim parte do recurso doado para a campanha é doado diretamente ao eleitor que por sua vez doa seu voto. Em havendo êxito, o eleito fatalmente será cobrado pela generosidade de seu doador que aos poucos torna-se seu tutor e dono. O eleitor devidamente retribuído pelo seu legitimo direito de cobrança, o voto, não terá direito de fazê-lo, pois este direito pertence ao eleito que o comprou. Assim a liberdade, fundamento da democracia, faz o caminho inverso, saindo dos domínios do eleitor, passando para o eleito que o transfere ao seu “dono”. Este é um modelo de privatização imoral e ilegal que conduziu a democracia do Brasil ao caos em que se encontra. Como este processo só poderá ser interrompido se houver uma mudança significativa na lei, e como quem teria a obrigação de mudar a lei são os maiores beneficiados deste esquema privatista, não é difícil imaginar quando esta mudança acontecerá. Os movimentos populares que tomaram as ruas nestes últimos anos no Brasil, ao contrário do que muitos possam dizer, chamam a atenção de todos os responsáveis por esta mudança necessária. Se por um lado percebe-se um governo incapaz de responder a altura aos clamores populares, percebe-se uma oposição responsável direta por tudo isso, incapaz de propor algo alternativo pois se serviu durante séculos da mesma lógica privatista. E não apenas isso, foi sua mentora e grande consolidadora, a verdadeira genitora do mercado do voto e da liberdade, servindo como exemplo a votação da chamada “lei da terceirização”, que trataremos noutra oportunidade. Assim o voto voluntário, o financiamento público de campanha e o fim das reeleições poderá representar a extinção desta lógica perversa. Os éticos e justos que hoje ocupam cargos públicos não serão apenas minoria e com isso a liberdade e o voto não serão mais produtos e os valores em questão serão outros. As eleições não serão mais um grande negócio, mas a grande possibilidade de construção, passo-a-passo, de uma nação que pertença à todos.

Omissão e cárcere na Pátria Educadora

O congresso nacional analisa uma PEC, e já foram muitas na mesma direção, que pretende alterar a maioridade penal reduzindo-a de 18 para 16 anos, tornando milhares de jovens imputáveis, ou seja, passivos de condenação em determinados casos como ocorre com adultos. A polêmica que cerca o tema, considerando a democracia que se constrói em nosso país, merece um debate sério, pautado em argumentos e projetos sociais concretos . Mais do que políticos oportunistas este debate deve ser a voz de famílias, educadores e estudiosos para que se compreenda que todo o ser humano necessita que ser preserve sua humanidade. Como se sabe, vive-se numa nação em que se pretende construir uma Pátria Educadora, ou seja prover educação e de qualidade à todos os cidadãos. Se isto acontecerá ou não, o tempo dirá, o fato é que um dos caminhos que mais efetivamente aproximam o ser humano do sucesso e de sua dignidade é a educação. Mas se o caráter educador de nossa Pátria ainda for uma utopia, significa dizer que este é um direito negado e que educação de qualidade é apenas um privilégio de uma minoria. E como se sabe, onde há privilegiados há também excluídos, descartados, produto de uma omissão ostensiva e seletiva do Estado. Esta omissão não pode ser penalizada com o cárcere ou com a violência cometida por jovens e adultos contra a sociedade. Se hoje vive-se o dilema da violência é porque historicamente crianças e adolescentes são vistos apenas como futuros adultos e não como adultos em formação. Por esta razão não é exagero dizer que os encarcerados deveriam ser outros, especialmente os gestores públicos que permanecem alheios às demandas da infância e da juventude. Mas a omissão não é exclusividade do Estado. É também da família, em muitos casos caracterizando o flagrante fenômeno da terceirização da educação. Não a educação acadêmica, mas a que estabelece limites, insere valores e principia a socialização da criança e do adolescente. Neste contexto a escola (pública), a reboque do compromisso pela universalização do acesso a educação, é tida como o braço do Estado que deve suprir as falhas ou a completa ausência da família. Diante disto é inevitável, que pelas diferenças entre Escola e família, lacunas permanecem vazias na formação de crianças e adolescentes. Tudo isso nos induz a concluir que somos uma nação que encarcera mais do que educa, que procura mais culpar que solucionar. Por mais que possa parecer custoso, não há dúvidas de que qualquer recurso público eticamente aplicado, corresponde a um grande investimento, afinal não parece que seja possível calcular o valor de uma vida mediocrizada, perdida ou vivida no cárcere. A violência não necessita apenas de correção ou punição. Ela demanda prevenção e políticas púbicas que garantam aqueles direitos consagrados no texto constitucional, especialmente a educação, e educação de qualidade. Partindo disto parece mais conveniente lutar pela maioridade educacional em nosso país, como diz o poeta Sérgio Vaz, do que pela redução da maioridade penal. Quanto à “Pátria Educadora” não se veem grandes perspectivas nesta direção, até por que ela não depende apenas da boa vontade de um ou outro governante. Destaque-se que não basta que crianças e adolescentes estejam na escola, é preciso que saiam dela habilitados ou habilitadas à vida em sociedade, podendo exercer um ofício, reconhecendo seus direitos e deveres, vivendo legitimamente sua cidadania. Se “encarcerássemos” todos os brasileiros em boas escolas nos seus primeiros 18 anos de vida, certamente viveriam o restante de sua vida, libertos e felizes. Cada abandono ou não acesso à escola deve ser encarado com a mesma tristeza de um encarceramento e com a mesma indignação diante do sangue de um inocente morto por bandidos tenham eles a idade que tiverem. Precisamos cobrar dos gestores púbicos, uma escola pública de qualidade com a mesma convicção e energia com que cobramos segurança para nossas famílias. Quando for garantida a maioridade educacional em nosso país ninguém precisará temer e muito menos exigir a redução da maioridade penal.

Dois Brasis e um não necessário!

A história nos conduziu a mais um dilema histórico. Um dilema que possui mais respostas que perguntas justamente para que diante de sua complexidade surjam respostas simplistas, que por sua superficialidade produzam soluções ineficientes ou até mesmo novos problemas. Assim diante de um pais historicamente dividido, a unidade geográfica sempre esteve sob ameaça, e quando parece convir a concepção separatista emerge. Como o que dá o tom da discussão no cenário político brasileiro são os interesses econômicos hegemônicos ao longo de séculos, é necessário compreender que estas soluções simplistas não respondem às mais antigas, singelas, mas profundas demandas. Uma das perguntas simplistas e recorrentes em nosso tempo é: Vamos dividir o Brasil para que tenhamos nações menores e mais fáceis de administrar? Assim, mesmo que no futuro tenhamos que nos retratar, à esta pergunta caberá uma resposta igualmente simplista: não! Senão vejamos... As regiões mais pobres do mundo, América Latina, Sudeste Asiático e África, colonizadas, exploradas e sugadas foram sumariamente divididas em pequenos Estados, que embora vizinhos, caracterizam-se pela pouca proximidade entre si, quando não figuram como adversários . Aliás, estimularam-se guerras para que estes pequenos Estados enfraquecessem uns aos outros, liberando o caminho para o domínio dos Estados do velho mundo ou às superpotências. Estas regiões sangraram econômica e humanamente, sendo-lhes exploradas as riquezas econômicas e seus povos transformados em escravos ou meros mercados econômicos de futilidades. Assim dividir o país a partir de dois polos, um rico e um pobre, um trabalhador e outro preguiçoso e convertê-los em dois Estados independentes e adversos chega a soar como cinismo. Afinal pobreza e riqueza, trabalho e preguiça e corrupção inclusive, não são privilégios desta ou daquela região do país. Por isso é preciso dizer não à dois Brasis. Internamente é preciso fazer algumas perguntas como esta: porque o norte e o nordeste brasileiro, flagrantemente as regiões mais pobres do país, não enriqueceram mesmo após os ciclos da borracha, da cana-de-açúcar e do ouro? Simplesmente por que assim como hoje exportamos commodities, em tempos passados simplesmente servimos de fonte de onde jorrou ouro, diamante, borracha, açúcar, carne, café que encharcaram os bolsos dos exploradores (colonizadores). Aliado a isso está um grande contingente de africanos trazidos ao Brasil, especialmente para o nordeste, e seus descendentes, e que foram libertos sem qualquer possibilidade de trabalhar e progredir economicamente com dignidade. Ao longo do tempo, um Brasil eurocêntrico lhe negou qualquer oportunidade de reconhecimento e respeito. Este Brasil ensinou aos pobres que os ricos podem passar pela vida sem fazer nada de significante (inclusive não trabalhar) e jamais podem ser chamados de desocupados, mas ao contrário são considerados bem sucedidos. Já aos ricos, é dito que os pobres devem estar sempre ocupados (trabalhando), pois ao contrário são apenas preguiçosos. Até mesmo o pobres são convencidos disto. Ao contrário de dividir, é fundamental que as nações pobres, a exemplo das ricas da Europa, procurem encontrar caminhos para se encontrar, interagir e estabelecer relações de cooperação. Latinos, africanos e asiáticos não podem negar a sua condição de dependentes uns dos outros, e como bons vizinhos necessitam despir-se de vaidades (e rivalidades) e caminhar juntos. Dividir, separar-se jamais!

A latinidade de Francisco

Francisco de Assis sempre inspirou leigos e ordenados e por esta inspiração muito mal deixou de ser praticado, vidas foram salvas, dores foram amenizadas. Foi nas periferias que o legado franciscano se fez e se faz presente, exatamente por opção de seu patrono, em dedicar sua vida aos miseráveis, renunciando à qualquer riqueza ou ostentação. Nas mesmas periferias, as Villas, o jesuíta Jorge Mário Bergóglio, concebeu sua vocação e sua adesão. Quando Padre Jorge, aclamado pontífice, segundo ele próprio afirmou, por um sopro de um colega cardeal, assumiu-se Francisco, um Francisco latino, das periferias, das massas, tomou o Vaticano recheando-o de humildade, de simplicidade e de austeridade. Em dois anos de pontificado a latinidade disseminou-se não apenas entre católicos, mas vem sendo percebida e até mesmo combatida, como uma forma de fazer da igreja uma fiel serva do povo. Gestos, pregações e atitudes tem revelado que é possível desenhar e escrever a história de outro jeito. Revelam por outro lado, uma humanidade fragilizada, utilitarista, mercantil que naturalizou o descarte de bens e pessoas e produziu milhares de pessoas, economicamente de segunda classe. Pessoas que não precisam de palácios e imperadores, mas de alguém que os perceba e faça com que sejam percebidos. Aliás, os que sempre se serviram de palácios e os que bajulam imperadores combatem esta postura, pois se assustam com a afinidade e a familiaridade entre o líder e seu povo. Com Bergóglio o mundo conhece há dois anos, a latinidade de Francisco de Assis. Francisco de Roma, inspirado em Francisco de Assis chama ao serviço, usa de ternura e firmeza, afaga e desafia. Faz da sua liderança e seu poder, agentes de serviço pela paz, pela unidade, pela partilha e pela acolhida. Mas a latinidade diz algo a mais. Como grande parte das periferias do velho mundo, a América Latina foi dividida em inúmeros territórios mantidos separados geográfica e politicamente para que pudessem ser mais facilmente explorados. A chamada colonização, ignorou os nativos, os verdadeiros americanos, e inseriu milhares de africanos trazidos, como diz Eduardo Galeano em sua obra “As veias abertas da América Latina”, em forma de contrabando de carne humana. Mais adiante milhares de europeus foram literalmente expulsos de suas pátrias pelo desemprego, pobreza e outras misérias, e trazidos para substituir o escravo na lida no campo e nas cidades. Paralelo a isso, milhares de toneladas de metais preciosos e produtos agrícolas brutos escorreram pelos rios e além-mar, deixando para trás um solo empobrecido e uma gente tomada pela miséria, pela violência, pela ignorância e pela doença. Desta forma, Papa Bergóglio e sua sensibilidade franciscana, fazem do trono de Pedro, um espaço legitimamente latino, de denúncia, mas também de chamado à conversão. Quer uma igreja de portas abertas aos mutilados pela história, um clero com o cheiro dos excluídos e atitudes de verdadeira conversão. Ao adotar o nome Francisco, quer conduzir a Igreja a esta conversão, preservando o Evangelho, reverenciando o exemplo de Cristo, mas adotando os fragilizados, os vulneráveis, os esquecidos. Isto é a latinidade do ponto de vista dos explorados, dos descartados, dos humilhados. Uma latinidade que surpreende o mundo, mas não os latinos, irmãos e irmãos de Francisco! *Texto publicado no jornal "A cidade".

As mulheres não merecem!

Há dias comemorativos inscritos em nosso calendário que celebram festas religiosas, outros relembram fatos históricos e há os que simplesmente lembram que as coisas não andam bem. Assim acontece por exemplo com o dia 08 de março, dedicado à mulher. Este é um dia em que se recorda a tragédia da fábrica têxtil nova-iorquina em que 130 mulheres pereceram e se exaltam algumas conquistas historicamente consolidadas pelas mulheres antes e depois desta data. Porém, se esta data ainda é para reivindicar direitos básicos, como respeito, reconhecimento por suas habilidades e talentos, podemos dizer que décadas de repetidas homenagens e discursos pouco serviram. E isso nossas esposas, filhas, avós, irmãs, netas, amigas, colegas de trabalho não merecem. Não merecem porque estas homenagens e discursos revelam a superficialidade de uma sociedade masculinizada que diagnostica a mazela mas não a trata e velam preconceito, submissão e descaso. As mulheres não merecem ser percebidas apenas como consumidoras ou produto de consumo, o que é ainda pior. A coisificação vulgar da mulher transformada em objeto de satisfação do prazer exclusivamente masculino é a revelação clara do caráter bárbaro da sociedade que anualmente celebra o dia internacional da mulher. Elas não merecem! As mulheres não merecem a arrogância e a prepotência masculina diante de situações em que os próprios homens são corresponsáveis. Assim diante de uma gravidez não prevista é comum pais expulsarem suas filhas e namorados simplesmente abondarem sua companheira e seu filho. Muitas delas, nestes casos, vem como saída a prática do aborto que além de matar a criança, causam traumas físicos e psíquicos e até a morte da mãe. Elas não merecem! No Brasil a lei eleitoral impõe que a distribuição de candidaturas seja de máximo 2/3 de um gênero (geralmente masculino) e 1/3 de outro (geralmente o feminino). Os partidos políticos altamente masculinizados, geralmente inserem mulheres na listagem de candidatos, as quais servem apenas para atender à lei. Acabam por não se eleger e ainda garantem o domínio masculino no processo político. Elas não merecem! Estes exemplos e tantos outros que povoam nosso cotidiano revelam o quão frágil é a condição da mulher em nosso tempo; o quão superficial é a moral que estabelece a igualdade entre todos os seres humanos, proclamada por declarações internacionais e leis locais; o quão imperfeita é a ética contida na educação das mais tradicionais e “bem estruturadas” famílias que delegam aos homens todo o poder e à mulher a servidão. Elas merecem mais! Elas merecem homens menos covardes, que não camuflem sua fragilidade por meio da consolidação de pré-conceitos que há muito tempo deveriam ter sido superados. Elas merecem um tempo em que o 08 de março seja apenas e tão somente para celebrar a boniteza de ser mulher e para não esquecer que um dia nascer mulher era um problema. * Texto publicado no jornal "A cidade"

quinta-feira, 26 de março de 2015

Saída pela esquerda

Desde à revolução francesa costuma-se dividir o universo político em pelo menos dois grandes blocos ou lógicas: direita e esquerda. Nos tempos de Napoleão os membros da Assembleia Nacional que apoiavam o imperador assentavam-se à direita de seu presidente e os opositores à esquerda. Com o tempo foram sendo atribuídos à direita predicados como conservadora, reacionária, privatista, capitalista e opulenta e à esquerda identificada como anarquista, revolucionária, estatizante, comunista e socialista. No século XX, especialmente após a Segunda Guerra Mundial, esta diferenciação tornou-se mais concreta com a criação de dois grandes blocos de nações, um capitalista de caráter direitista e outro comunista com tendência esquerdista. Com a queda do muro de Berlim essa dicotomia dilui-se consideravelmente. Outro aspecto importante foram as sucessivas quedas de regimes ditatoriais de clara orientação direitista, como aconteceu no Brasil em 1985. No caso particular do Brasil, os remanescentes do regime direitista não entregaram o poder por reconhecerem passivamente a superação de suas condutas. Ao contrário, abandonaram o velho discurso e aos poucos migraram para os movimentos democráticos, sindicais e populares e a contragosto, assumiram o seu discurso. Mas apenas o seu discurso! Além disso, encontraram nestes movimentos alguns de seus líderes, dispostos a negociar novas adesões descaracterizando a legitimidade da própria esquerda. No Brasil atual não se costuma atribuir muita importância para a identificação do pensamento direitista e esquerdista. Ao contrário para a direita, convém disseminar a ideia de que esta dicotomia não tem razão de ser e que agora é tempo de moderar discursos. Como dito, a direita em seu esforço pela moderação assumiu o discurso esquerdista, com rompantes piedosos de atenção aos pobres, miseráveis e excluídos. Um discurso absolutamente descolado do pensamento original e principalmente da prática. Aos poucos estes esforços seduziram alguns líderes de esquerda que acolheram generosamente seus irmãos direitistas, para enfim, conquistar o poder. Mas a adesão de parte da direita teve e tem seu preço. Partidos políticos perderam completamente sua identidade; alianças uniram algozes e vítimas; acordos anularam convicções. No Brasil pós-ditadura, parte dos socialistas e liberais, revolucionários e reacionários dividem e sucateiam o Estado, criam partidos para negociar apoio legislativo por cargos executivos, enfim, promovem uma anarquia as avessas. Como consequência disto o mais evidente subproduto é a corrupção. Além disso, a mescla produzida por alguns líderes esquerdistas famintos por poder e direitista viciados pelo protagonismo político de cinco séculos, praticamente destruíram a legitimidade esquerdista. Por este descaminho repassa a ideia de que a esquerda foi diluída ou então que seu discurso está definitivamente superado. Mas por menos que seja reconhecido oficialmente é possível afirmar que sempre que algum Estado acolheu as demandas dos mais fracos e miseráveis foi pela esquerda. A prática de melhor redistribuição de renda, de educação libertadora e de políticas públicas inclusivas fundamentam-se em convicções esquerdistas. Assim considerando-se o Estado o ente protetor dos direitos fundamentais e a política, a arte de fazer com que estes direitos seja garantidos à todos é evidente que a saída é pela esquerda, pela boa e legítima esquerda.

terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

O digital, o analógico e o humano na lógica da escola pública

Os modismos, as “febres” costumaram definir estilos, trajes, gêneros musicais, propaganda, praticamente todo o cotidiano das pessoas. Há muito tempo também se dizia que se nossos ancestrais pré-históricos retornassem à vida, ao chegar à escola se sentiriam em casa, dado o atraso tecnológico em que se encontrava (ou ainda se encontra). Mas o acelerado avanço das tecnologias e a certa facilidade de acesso inseriu o digital no contexto da escola. Com ele a necessidade de superar definitivamente a fase analógica da educação. Incutiram-se metodologias e estratégias educativas onde a tecnologia alardeou a possibilidade de até mesmo substituir o professor em alguns momentos do processo educativo. Como todo o modismo, a febre da digitalização do espaço escolar, parece estar gerando descartes em grande escala. Não se trata apenas do descarte das máquinas que naturalmente se tornam obsoletas, mas também de valores, posturas e seres humanos. E valores, posturas e seres humanos não podem simplesmente ser descartados, afinal como determinar sua obsolescência? Clicks vale mais que uma conversa? Manipular uma máquina vale mais que pensar? Um operador de um programa vale mais que um leitor crítico? Há cerca de três décadas o grande problema da educação pública era que ela simplesmente preparava para o trabalho, sem oferecer ao aluno elementos que o constituíssem como ser pensante, apto ao complexo direito de viver publicamente. Com a LDB (Lei nº 9394/96) desejou-se entre outras coisas, sepultar definitivamente o tecnicismo e criar uma escola essencialmente humanista e inclusiva. Com o passar do tempo achou-se (e de fato é) necessário levar a tecnologia para o contexto da escola como instrumento pedagógico. O que era para ser apenas um artefato pedagógico foi sendo considerado como um domínio essencial para o sucesso dos alunos, um novo paradigma. Com isso nossas crianças e adolescentes são induzidos a navegar mais e pensar menos, teclar mais e dialogar menos, participar mais de redes sociais do que de redes humanas. Descartaram-se as brincadeiras de criança, as conversas entre pais e filhos, os amigos, e com isso um pouco de sua humanidade. Mas então é preciso descartar a tecnologia do contexto da sala de aula? De forma alguma. É preciso mantê-la a consolidá-la para que lhe sejam atribuídas tarefas repetitivas e mecânicas, como por exemplo acessar determinadas informações, organizar dados, etc, para que sobre mais tempo para o que é essencialmente humano como dialogar, contrapor opiniões, contextualizar as informações e estabelecer significação ao que é tratado no contexto escolar. Trata-se pois de determinar o seu lugar: o de mero artefato. É hora de prestar atenção no perigo da tal “superação de paradigmas”. Em trinta anos fomos tecnicistas, humanistas e digitais. Esse movimento ao sabor de modismos não é salutar, afinal um mesmo ser humano pode ser um bom trabalhador, cidadão e capaz de acessar e compreender as informações disponíveis. Não se pode descartar nenhuma destas características, ao contrário, todas podem e devem ser agregadas , formando assim um sujeito ainda mais complexo. Assim digital e analógico, somam-se ao humano, habilitando sujeitos para o convívio e para a vida pública.

Liberdade de expressão e as patologias de nosso tempo

A liberdade de expressão é sem dúvida um dos direitos fundamentais do homem e da mulher, ao lado do direito à vida, à segurança e à locomoção, entre outros. Longas e intermináveis discussões procuram traduzir o significado deste direito. Os que consideram “expressão” como simples manifestação oral ou escrita (letras, números, desenhos, etc) defendem a concepção que tudo o que se escreve ou diz deve ser preservado da intervenção alheia. Mas é importante esclarecer que a livre expressão assiste também o direito de manifestar (expressar) sua religiosidade, sexualidade, tradições, valores, etc. Vive-se num tempo de muitos perigos: o terror, a censura, o extremismo, o revanchismo. Os limites destes perigos só se conhecem quando postos em prática. Os fatos ocorridos na França chocaram o mundo e não poderia ser diferente, afinal sangue derramado deve mesmo chocar. Mas, e os mortos da Síria, do Iraque, da Nigéria e tantas periferias, chocam a quem? Isso nos leva a perceber que há categorias humanas distintas, e a morte classifica cruelmente os humanos em mártires, heróis e meros dados estatísticos. A França experimentou o extremismo radical religioso como vingança ao extremismo satírico, ambos produzidos pela liberdade. Minha esposa sempre diz que os extremos são patológicos, e para quem duvida aí está a prova profética. O bom senso, não a censura, seriam capazes de evitar carnificinas, genocídios e banhos de sangue em nome da liberdade de expressão. O bom senso aqui implica em valores como respeito a vida, convívio entre os diferentes e uma atitude que apenas os humanos livres são capazes: o diálogo. Mas num clima de extremismos patológicos, a tendência é procurar as causas da patologia (culpados) e muito dificilmente a cura (soluções) até por que aos grandes laboratórios (fornecedores de armas, motivos e interesses para a guerra) interessa prorrogar este cenário de horror. Em outros tempos as guerras eram motivadas por disputas territoriais, por minérios, petróleo, etc. Hoje a patologia se alimenta até da liberdade de expressão, para esconder outros interesses. Ou será mesmo que as charges que satirizam religiões e as reações extremistas fundamentam-se apenas na discussão das diferenças religiosas? Num tempo em que as patologias nos ensinam a buscar as múltiplas intenções em tudo o que se vê, não nos prendamos à ingênua ideia de que tudo não passa de confronte entre duas correntes livres tomadas apenas por sentimentos religiosos ou irreverência satírica. A mesma liberdade de expressão evocada neste debate sobre patologias de nosso tempo, nos permite supor que em breve surjam “revelações” acerca dos bastidores de tudo isso e então nos veremos mais uma vez “enganados”. A desculpa para isso: faltou bom senso e sobrou liberdade de expressão. Utilizando ainda a legítima liberdade de expressão é possível questionar: quando o mundo, algum país, ou alguma cidade irá às ruas para pedir o fim dos banhos de sangue nas periferias do mundo? Afinal qual a diferença entre o sangue de um francês, de um iraquiano, de um sírio, de um brasileiro? Que critérios os diferenciam?

Quem sou eu

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Benedito Novo, Santa Catarina, Brazil
Sou Mestre em educação, graduado em Biologia e Matemática, professor da rede estadual de Santa Catarina, com experiência em educação a distância, ensino superior e pós-gradução. Sou autor e tutor de cursos na área da educação no Instituto Veritas (Ascurra) e na Atena Cursos (Timbó). Também tenho escrito constantemente para a Coluna "Artigo do Leitor" do "Jornal do Médio Vale" e para a revista eletrônica "Gestão Universitária". Fui diretor da EEB Frei Lucínio Korte (2003-2004) e secretário municipal da Educação e Promoção Social de Doutor Pedrinho (2005). Já atuei na rede municipal de ensino de Timbó. Em 2004 coordenei a campanha que conduziu à eleição do Prefeito Ercides Giacomozzi (PMDB) à prefeitura de Doutor Pedrinho. Em 2011 assumi pela segunda vez, a direção da EEB Frei Lucínio Korte.

Historicidade de meus passos